OLIVEIRA, Edilson Brito de. Da disciplinaridade à transdisciplinaridade: Construindo saberes necessários para ensinar e aprender. Artigo científico de conclusão de Especialização em Gestão Escolar. Universidade Castelo Branco (UCB), Rio de Janeiro, 2006. (Todos os direitos reservados a Oliveira, Edilson Brito)
1- Os caminhos desde a predisciplinaridade até a transdisciplinaridade: Uma análise histórica
Ousar delimitar historicamente o surgimento da transdisciplinaridade é algo complexo, pois muitos pensadores utilizaram o pensamento transdisciplinar. Todavia, é concreto afirmar que, a partir dos anos 70, o suíço Jean Piaget escreveu sobre a transdisciplinaridade, afirmando que o conhecimento deve partir do pressuposto de que o homem não aprende as disciplinas curriculares isoladamente, ou seja, elas interagem entre si para formar um todo único. Vida e escola devem ser contempladas para se poder efetivar o conhecimento.
Quando Piaget afirmou, durante um congresso, que a interdisciplinaridade devia ser sucedida por uma etapa transdisciplinar, nesse momento vários outros estudiosos da educação foram investigar o surgimento da transdisciplinaridade e descobriram que Sócrates e Platão já tinham utilizado o pensamento transdisciplinar quando afirmavam que o conhecimento tinha que ser uma prática universalizante e jamais de modo isolado, ou seja, as disciplinas não poderiam se isolar como uma ilha no mar dos saberes.
A história da transdisciplinaridade encontra-se desde o seu nascimento como um elo constante de mutação, pois até os dias atuais não se alcançou o ápice pleno de sua construção. A cada dia surgem novas necessidades, obstaculizando a plenitude dos saberes. Daí é preciso que se tenha em mente que a transdisciplinaridade continua se desenvolvendo e, por isso, é necessário entender que ela é um neologismo[1] correto e que no futuro tornará a dar origem a uma nova palavra que será ampliada sucessivamente.
A transdisciplinaridade surgiu da necessidade de reafirmar o valor de cada sujeito como portador e produtor legítimo do conhecimento, ou melhor dizendo, da inter-relação entre sujeito do conhecimento e objeto a ser conhecido.
Após a segunda guerra mundial, os pesquisadores da educação perceberam que era preciso reafirmar o pensamento amplo sobre o conhecimento a ser construído no pós-guerra, porque o paradigma vigente era a concepção fragmentada das ciências, aspecto manifestado no campo educacional pela multifacetação das disciplinas, onde cada uma tentava construir sua própria metodologia de produção do conhecimento.
2- Desde a disciplinaridade à transdisciplinaridade: Uma busca por um ensino pautado em valores
Compreender o caminho percorrido entre a fragmentação do saber (predisciplinaridade) e a superação dicotômica, onde se valorize os vários saberes (transdisciplinaridade), significa perpassar pelo fio condutor que induz às várias etapas trilhadas pelo fazer educativo.
1-A fase predisciplinar se caracterizou pelo momento em que o conhecimento foi despertado através de um equilíbrio entre a sensação, o sentimento, a razão e a intuição, ou seja, não havia separação entre essas funções no nível do sujeito. É interessante notar que essa fase é conhecida nas tradições como sendo a Idade do Ouro que ainda hoje se faz presente em cada um de nós educadores, porém escondida por um véu da separatividade entre o sujeito da aprendizagem e o objeto de estudo. A predisciplinaridade se sustenta sob a ótica do paradigma newtoniano-cartesiano que levou uma visão mecanicista do mundo[2].
O racionalismo científico e o conhecimento se fragmentaram em disciplinas cada vez mais numerosas. Essa fase se sustentou na teoria de Jung, onde razão, intuição, sensação e sentimento estão intimamente ligados, porém não se correlacionam.
2-A disciplinaridade é a concretização sistêmica da fragmentação do saber, por meio da qual cada disciplina do currículo tem sua metodologia e seus objetivos específicos e compartimentalizados.
Da disciplinaridade segue-se a pluridisciplinaridade, onde os processos de conhecimento partem do estudo de um objeto de uma mesma e única disciplina, realizando seus fazeres ao mesmo tempo. Costuma-se falar em pluridisciplinaridade quando se tenta trabalhar em equipe, coexistindo um mesmo ramo ou especialidade.
3)A multidisciplinaridade é o estudo múltiplo de vários conceitos por até duas disciplinas. Ela se desenvolve tanto no nível do sujeito conhecedor como do conhecimento e do objeto conhecido. Tanto a pluridisciplinaridade quanto a multidisciplinaridade são produtos da fragmentação causada pela mente humana.
4)O processo de inter-relação entre duas ou mais disciplinas com valorização semelhante caracteriza a interdisciplinaridade. Esta fase centra-se na apreciação cada vez mais freqüente de elos disciplinares, que são outras tantas disciplinas novas.“A interdisciplinaridade trata da síntese de duas ou mais disciplinas, instaurando um novo nível do discurso (metanível) caracterizado por uma nova linguagem descritiva e novas relações estruturais”. (D’AMBRÓSIO, 1993, p. 31).
5) Dentro da perspectiva de que não haja perda entre nenhuma disciplina, centra-se a transdisciplinaridade, cujo objetivo é a compreensão do mundo presente, onde um dos imperativos é a unidade do conhecimento, criando assim os chamados axiomas da realidade, ou seja, a parte é menor que o todo. O todo é capaz de gerar a si mesmo, criando, portanto, a holopoiese.
O big-bang entre a predisciplinaridade e a transdisciplinaridade está longe de ser superado, porém a cada dia novos educadores e estudiosos tendem a romper a fragmentação, fazendo com que as pessoas compreendam que a transdisciplinaridade é o caminho viável para que os saberes das disciplinas sejam significativos e reais às necessidades, para que educadores e educandos aprendam e ensinem, de modo que todos sejam construtores do saber. E neste sentido afirma Fazenda (2001) que: “A transdisciplinaridade tem que ser o foco principal do fazer educativo”. (p. 13).
O processo de declínio das civilizações é extremamente complexo e suas raízes estão mergulhadas na mais complexa obscuridade. É claro que se pode tentar encontrar várias explicações e racionalizações superficiais sem conseguir separar o sentimento de um irracional, agindo no próprio cerne desse processo. As pessoas de cada civilização determinam o seu processo de declínio. Todo o declínio ocorre quando os conhecimentos e saberes são fragmentados.
O crescimento sem precedente dessa superação tende a levar educadores e comunidade escolar a transdisciplinaridade que verdadeiramente é o grande desafio da época atual.
A harmonia entre as mentalidades e os saberes pressupõe que estes saberes sejam inteligíveis, compreensíveis, porém a tendência atual é da superação, onde história de vida, conteúdos disciplinares e fazer social devem caminhar juntos para a construção de uma realidade necessária.
3- A epistemologia[3] transdisciplinar
Do ponto de vista epistemológico, a transdisciplinaridade consiste no método de pesquisa e de ensino voltado para a interação de todas as disciplinas do currículo, num processo que pode ir da simples comunicação de idéias até a integração recíproca de finalidades, objetivos, conceitos, terminologias, procedimentos, dados e formas de organização sistêmica do processo de conhecimento do educando e do educador.
Nesse sentido, a transdisciplinaridade vai além da interdisciplinaridade, multidisciplinaridade e pluridisciplinaridade, pois essas consistem na justaposição de disciplinas sem a definição prévia dos objetivos a serem alcançados, e sem essa clareza dos princípios, dos conceitos e dos elos que permeiam a transdisciplinaridade.
4- Possibilidades da transdisciplinaridade
A transdisciplinaridade possibilita um trabalho voltado para a real necessidade tanto dos educandos quanto para os educadores numa perspectiva que parte da história individual dos envolvidos para uma análise minuciosa dos conteúdos a serem trabalhados.
Um currículo que pretende partir do pressuposto em que todos são co-autores do saber tende a desenvolver suas atividades pensando na construção do ser holístico, onde não há um mundo escolar e um mundo familiar, pois ambos são para que a prática aconteça de forma onde todos aprendam numa relação de transcendência pessoal e grupal. “O currículo transdisciplinar tende a valorizar a construção holística dos indivíduos”. (D’AMBROSIO, 1993, p. 13).
Assim sendo, o trabalho transdisciplinar tem como objetivo maior a valorização de todas as disciplinas curriculares sem que haja perda de uma ou de outra. O princípio norteador dessa metodologia é sobretudo, trabalhar com eixos temáticos, e para tanto precisa-se de projetos consistentes que tenha início, meio e fim, os quais devem ser bem planejados.
Por isso, espera-se que as ações transdisciplinares não ocorram de maneira fragmentada para a efetivação da formação holística e social dos seres nelas envolvidos,
Possibilitar os saberes e os conhecimentos de todos os envolvidos no processo de ensino e aprendizagem deve ser o eixo central da perspectiva significativa da transdisciplinaridade no planejamento educacional.
5- Pecados da pré- disciplinaridade
Todo educador que não respeitar os conhecimentos individualizados de cada disciplina e de cada aluno que não os aproveita de forma singular para a aprendizagem dos educandos tende a permanecer na predisciplinaridade e que acabam cometendo transgressões de origem epistemológica.
Quando o educador, em sua postura didático-pedagógica, é pré-disciplinar uma das muitas infrações cometidas é a de que ele é o centro do processo ensino e aprendizagem.
A fragmentação pré-disciplinar faz com que o professor se torne o centro da aprendizagem excluindo com isso, a interação entre o saber e o aluno.
O grande perigo da fragmentação do saber através da predisciplinaridade é que não há no espaço pedagógico um lugar onde acontece o diálogo entre o objeto do conhecimento e os envolvidos no ato de aprender, por isso o educador que pensa em formar seus educandos para o convívio social deve fugir dessa modalidade de ensino arcaico, pois só assim, a escola será um local onde a dialética flua naturalmente.
Ser pré-disciplinar é negar que o educando, quando adentra os portões da escola traz consigo inúmeros saberes, os quais cabe a comunidade escolar sistematizá-los para que se tornem conhecimentos científicos e necessários para a vida.
Isso dizer que as práticas pedagógicas na escola não podem estar alheias e desvinculadas dos conhecimentos trazidos pelos educandos e muito menos que elas devem ser utilizadas na prática de vida.
[1] Segundo o dicionário Aurélio neologismo palavra ou expressão nova ou antiga com sentido novo.
[2] Tendência do século XVI antes da revolução cientifica. Neutralidade a respeito dos saberes que cercam o homem. Nesse período as ciências se isolavam criando assim um distanciamento entre as mesmas.
[3]- Epistemologia: Do grego epistéme, ciência. Estudo crítico dos princípios, hipóteses e resultados das ciências já construídas, e que visa determinar os fundamentos lógicos, o valor e o alcance objetivo delas; Teoria da ciência.
segunda-feira, 19 de maio de 2008
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